Memórias e Significados do Artesanato no Território do Sisal/Bahia
Autores: Rodrigo Maurício Freire Soares, Tânia Maria Diederichs Fischer
Este artigo tem como foco os artesãos e a sua produção, abordando aspectos relacionados à natureza da atividade, à trajetória de vida dos artesãos e à difusão do artesanato produzido. Trata-se de um estudo empírico sobre o artesanato como fenômeno social e sua relação com o desenvolvimento local. Utiliza-se aqui, como objeto de estudo a pesquisa sobre mestres-artesãos e seus saberes populares no Território do Sisal -Bahia/Brasil, o qual tem como objetivo mapear mestres artesãos caracterizando os saberes populares para reconhecer, valorizar e difundir, à sociedade, as artes e ofícios populares presentes no Estado da Bahia. Visa contribuir para a sistematização dos saberes populares de caráter artesanal entendidos como tecnologias sociais em si mesmos e como parte de redes e núcleos de cadeias de produção. Neste sentido, valoriza os saberes populares de forma a se criar critérios para análise da qualidade e identificar mestres em artes e ofícios como indivíduos referenciais, estabelecendo-se uma cadeia hierarquizada de saberes. Também investiga o processo de aprendizagem e passagem de saberes existentes na atividade artesanal. A partir dos dados já coletados em campo, discute-se, neste artigo, de que forma a atividade artesanal desenvolvida no território do Sisal/BA, contribui para o desenvolvimento local nas dimensões de:
1) Passagem dos saberes;
2) Fortalecimento da identidade territorial;
3) Reforço à memória individual e coletiva.
Os conceitos-chave estruturantes desta proposta são, portanto, a passagem de saberes no artesanato, a identidade cultural e a memória social como fatores de desenvolvimento. Utiliza como percurso metodológico as informações coletadas em campo, a combinação de métodos de historiografia e história de vida (VERGARA, 2005; SOUZA & PASSEGGI, 2008), registro audiovisual (BAUER & GASKEL, 2002), pesquisa bibliográfica e levantamento documental. Trata-se de uma investigação eminentemente qualitativa com observação do tipo não participante, já que, neste caso, o pesquisador não age como se fosse membro do grupo, ou seja, ele não é parte da do contexto investigado. Utilizou-se o método indutivo em que o conhecimento é fundamentado na experiência, não levando em consideração princípios pré-estabelecidos.
Os resultados preliminares da pesquisa são apresentados no artigo, relacionando o campo teórico apresentado aos depoimentos orais dos próprios artesãos entrevistados.
“Eis as culturas e suas honras: as vestes de couro, as panelas de barro, as cabeças de madeira, os chicotes, os fifós de lata, o carro de boi, os guizos das vacas, as bruacas de couro e os alimentos mais dignos : a mandioca, o umbu, água também, osso com algum tutano, mandacarus e cabeças de frade, farinha e carne de bode.” (Glauber Rocha)
1. Introdução
Na contemporaneidade o artesanato pode ser situado como uma matriz de resistência às tentativas substancialmente homogeneizantes de modos de produção e padrões de consumo.
Mesmo quando repetida através de numerosos exemplares, uma obra de artesanato nunca chega a ser absolutamente igual à outra, o que lhe confere uma individualidade impossível de ser obtida na produção industrializada. Por mais cópias que sejam feitas, as peças artesanais são sempre peças únicas.
O artesanato pode ser entendido como um processo de trabalho que se diferencia essencialmente do industrial pelo seu caráter manual, ou seja, o objeto se faz à mão ou com auxílio de poucas ferramentas e aparelhos simples, geralmente de criação própria ou doméstica (MARTINS, 1973 apud ARAÚJO et. all, 2006).
Segundo Wright Mills (2009), o artesanato é o modelo plenamente idealizado de satisfação no
trabalho, em que a relação entre o artesão e o produto desta a imagem que primeiro forma dela até a sua conclusão, vai além das meras relações legais de propriedade e torna a disposição do artesão para trabalhar espontânea e até exuberante. (Wright Mills, 2009, p. 59).
Para definir artesanato a pesquisa utilizou seis critérios, conforme Fischer (2007):
1. Paixão criativa – é a paixão pelo fazer, é a satisfação do indivíduo em desenvolver a atividade. O artesão exercita a sua criatividade e sente prazer em trabalhar no seu ofício;
2. Aptidão básica manual – trata-se da competência motora do indivíduo no manuseio dos instrumentos e
3. Liberdade de criação – o artesão deve gozar de liberdade para definir a sua produção, seja na tecnologia empregada, na matéria prima e, sobretudo, no tempo (ritmo da produção);
4. Autodesenvolvimento – ao tempo em que o artesão aperfeiçoa a sua peça e a desenvolve ele contribui para a o próprio desenvolvimento da atividade, em termos estéticos e técnicos;
5. Íntima relação entre trabalho artesanal e cultura – o trabalho artesanal é um fragmento da cultura e a cultura é o conjunto integrado de fragmentos humanos. A cultura é uma colagem destes fragmentos. Uma distinção entre o trabalho artesanal e a cultura é, portanto, pois ambos são, simultaneamente, fins e meios uma para a outra.
6. Íntima relação entre trabalho artesanal e lazer – A esfera do trabalho confunde-se com a esfera do ócio, sendo o artesanato muitas vezes citado como “distração”. Uma vez identificado campo do artesanato a partir destes critérios, faz-se necessário esclarecer quem são os mestres artesãos aos quais se refere esta pesquisa.
A maestria no processo artesanal é observada em um grupo de pessoas que conjugam, no seu fazer, técnica e sensibilidade. Por maestria entende-se o domínio de um campo de saberes e práticas relativamente definido enquanto natureza e estrutura conceitual, ou seja, um campo disciplinado pela própria estrutura do saber e com ritos de passagem que garantem a sua permanência e renovação (FISCHER, 2007. p.4) O artesanato qualificado associa-se à “maestria” do saber e fazer artesanal, o qual pode ser entendido como um campo disciplinado pela própria estrutura do saber e com ritos de passagem que garantem a sua permanência e renovação. Os mestres possuem os saberes que garantem qualidade ao produto, dotado simbolicamente dos atributos locais que agregam valor ao seu ofício. O termo ofício remete à artíficie a um fazer qualificado profissional, cuja maestria pode ser entendida como um conhecimento que possuem os mestres de um ofício, “que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus segredos, seus saberes e suas artes” (ARROYO, 2002, p.18).
Os mestres dos saberes populares, ou GRIÔS, são pessoas que, por diversas razões, circunstâncias e habilidades, acumularam conhecimentos que pertencem às suas comunidades e que podemos entender como patrimônio cultural imaterial. São práticas, representações, expressões e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. GRIÔ é o abrasileiramento (grifo do original) da palavra francesa griôt usada por africanos estudantes em universidades francesas, preocupados com a preservação de suas tradições através de narrativas. Tais narrativas não se restringiam às tradições orais. Narrar a cultura de um povo pode ser feito por muitas linguagens, como o trabalho com o barro, com a renda, com fios e fibras naturais, entre muitas outras.
O artesanato insere-se como um dos campos de representação da cultura popular, responsável por contribuir com a identidade cultural de um dado território. A identidade compreende a noção de bens culturais, abrangendo os símbolos, os signos, os valores de um universo plural, os bens ecológicos, as tecnologias, as artes, além dos fazeres e saberes tradicionais, inseridos na dinâmica do cotidiano territorial. É no contexto da cultura popular e da identidade cultural que se origina e se desenvolve as diferentes tipologias de artesanato implicando na inexorável relação entre o processo produtivo e produto com a cultura que lhe atribui significado e funcionalidade. Observa-se, no artesanato, a valorização do local e da partilha de códigos de conduta específicos e singulares, ainda que o processo imperativo de globalização vivido nos dias de hoje aparentemente pudesse nos conduzir a um processo de “destradicionalização” (GIDDENS, 1991) e de pouca referência em aspectos locais. O artesanato, tratado neste artigo, é uma expressão local, inserida numa lógica global de acirramento de diferenças em que a “dimensão cultural do local atua na globalidade como um fio invisível que vincula os indivíduos ao espaço, marcando uma certa idéia de diferença ou de distinção entre comunidades” (ALBAGLI, 1999, p.186-87).
2. O Território do Sisal como Campo de Estudo
A pesquisa, em curso, sob a qual se fundamenta este artigo, situa-se no Território do Sisal no
Estado da Bahia. A dimensão territorial do desenvolvimento é uma temática
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recente, que ganha força anos 90. No âmbito das políticas públicas
ressalta-se, como marco regulatório importante, as ações de desenvolvimento
territorial iniciadas com a com a instalação da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT) pelo Governo Federal, em 2003, e a
implementação do Programas e Planos de Desenvolvimento Sustentável em cada
um dos Territórios Rurais.
O Território do Sisal é um destes territórios sob o qual incidem políticas públicas de
desenvolvimento federais e estaduais. Localiza-se no semi-árido baiano e integra 20
municípios: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba,
Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolândia, Santa Luz, São
Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente. O Território detém uma história de
organização dos movimentos sociais e de articulação de ações visando o desenvolvimento
local, tendo como foco a agricultura familiar. Possui uma população de aproximadamente 553
mil habitantes e uma população rural estimada em 63%. A maior parte dos municípios que
integram o Território apresentam características essencialmente rurais.
Na constituição do Território, pode-se citar dois momentos que marcam a trajetória da região.
O primeiro deles refere-se ao processo de organização de agricultores/as familiares dentro do
sistema produtivo do sisal, importante atividade econômica, que está presente na maioria dos
municípios que integram o Território do Sisal. O segundo aspecto, igualmente importante,
relaciona-se ao fato de que no Território foi sempre presente realização de ações referenciais
de organização da assistência técnica, do crédito e comercialização, voltados para a
Agricultura Familiar, através da proposição e gestão de políticas públicas desenvolvidas por
entidades não-governamentais e públicas, além de ações desenvolvidas pelas próprias
entidades representativas da Agricultura Familiar, a exemplo da criação das cooperativas de
crédito, das Associações de Pequenos Agricultores do Estado da Bahia – APAEB, dentre
outras iniciativas.
A importância da campo do artesanato no território do sisal é reforçada pelo grande número
de artesãos locais. Ainda que o sisal como matéria prima seja amplamente utilizado como
tipologia de artesanato predominante, observa-se a ocorrência de atividades desenvolvidas
com couro, barro, argila, palha, bordado e madeira. Trata-se de um território em que a
identidade local se expressa em grande parte com a atividade artesanal, a exemplo do
artesanato de sisal desenvolvido pelas Cantadeiras do Sisal (Município de Valente) ou mesmo
pelas Cirandeiras da Palha (Município de Ichu). Em ambos os casos, são evocadas cantigas de
roda durante a realização do fazer artesanal, evidenciando uma relação bastante próxima entre
a identidade local e o ofício desempenhado pelo artesão.
3. A dimensão da passagem de saberes no artesanato
É o “fio invisível” que liga o desenvolvimento da pedagogia nos últimos dois séculos, como
Rugio (1998) identifica com propriedade. Buscando origens em Jean Jacques Rousseau e
John Locke e, especialmente, em John Dewey, a aprendizagem artesanal é,
fundamentalmente, a aprendizagem do learning by doing, do aprender fazendo, do aprender
pela experiência.
Muitos são os conceitos e as perspectivas sobre a aprendizagem como fenômeno referido ao
indivíduo ou às comunidades humanas. A aprendizagem é uma ação ou fenômeno que
transforma quem a pratica ou vive, pela reelaboração de significados anteriores, criando um
novo sistema de significações.
Jean Piaget (1970), Leonid Vigotsky (1987), John Dewey (1973) e Paulo Freire (1997)
criaram conceitos e conexões que permitem significar a aprendizagem como construção social
a partir da colaboração humana. Assim, há paralelo permanente entre a realidade social e a
sua apreensão pelo indivíduo, explicitando o quanto a aprendizagem remete-se a movimento
também conflituoso e de embate entre perspectivas, modelos, ideologias.
A passagem da informação – nível de recepção de dados novos – em conhecimento – estágio
de compreensão e re-invenção do saber – é dependente de elementos como motivação,
interesse, necessidade do sujeito em aprender, além dos condicionantes simbólico-culturais,
ambientais e sociais circundantes. Essas prerrogativas da aprendizagem no artesanato estão
presentes nas comunidades tradicionais.
O repasse de conhecimentos tradicionais é comumente tratado como algo espontâneo e
natural. Tal percepção mostra-se duvidosa, pois se assim o fosse, não seriam necessárias
políticas de salvaguarda e preservação de memória em nível federal, estadual e municipal.
Todavia, as dificuldades existentes nesta passagem do “saber” e “fazer” tradicional, mais
especificamente do artesanato, ultrapassam a dimensão das políticas públicas e se estabelecem
em nível individual, na relação entre mestre e aprendiz. A abordagem que coloca este
processo como algo “habitual” desconsidera aspectos pedagógicos e culturais específicos
envolvidos.
Um dos desafios referentes ao repasse de saberes populares artesanais encontra-se no próprio
modelo cultural vigente em nossa sociedade. Com a tentativa de homogeneização de
manifestações culturais pela indústria cultural, as práticas artesanais são percebidas com
menor capital simbólico porque não podem ser apropriadas e/ou controladas em sua
totalidade.
O processo convencional de aprendizagem geralmente se depara com um problema decorrente
de premissas pré-estabelecidas. A figura do mestre como detentor de conhecimento e do
aprendiz como um receptor passivo fixa papéis limitantes para ambos os lados. No artesanato,
estes papéis não são tão diferentes. A expectativa de que o aprendiz absorva as lições do
mestre de forma natural nem sempre é alcançada. Há um campo “oculto” composto pela
sensibilidade, destreza e raciocínio do artesão, sendo difícil explicitá-lo de forma objetiva.
Por outro lado observa-se que o mestre “escolhe” o seu aprendiz, como forma de preservar
uma tradição identitária e perpetuá-la ao longo do tempo. O repasse de saberes segue um rito
de parentesco, sendo transmitido no seio familiar como forma de garantir a sua permanência e
controle da prática repassada. Outro ponto é o de garantir a continuidade da atividade sem que
isso implique na reconfiguração desmesurada das técnicas e da estética em favor de
padronização para o mercado consumidor.
4. A dimensão da memória no artesanato
A pesquisa utiliza como enfoque metodológico o percurso historiográfico. Como elucida
Vergara (2005), a historiografia visa o “resgate dos acontecimentos e das atividades humanas ao longo do tempo, possibilitando desvendar e compreender as mudanças, as
contradições e as tendências da realidade social” (VERGARA, 2005, p.130) Para
entender como uma atividade decorrente de um conhecimento tradicional pode contribuir
para o desenvolvimento local, neste caso o saber e fazer artesanal, faz-se necessário
entender como se desenvolve tal atividade em âmbito local. Isto implica em conhecer os
agentes envolvidos e como este conhecimento tem se perpetuado ao longo dos anos.
A historiografia a que se está referindo aqui se trata da “nova historiografia”, uma vez
que esta rompe com o paradigma da historiografia tradicional positivista, cujo método se
voltava à análise unicamente de documentos escritos. A “nova” perspectiva da
historiografia permite resgatar as trajetórias de indivíduos, organizações e movimentos,
possibilitando uma maior aproximação entre discurso e prática. Como compreender
aspectos da realidade que estão em constante mudança e que dificilmente são registrados
em documentos? A perspectiva aqui adotada é a de que os indivíduos incorporam as
transformações sociais e as experiências de aprendizagem, sendo, pois, fundamental a
figura do indivíduo neste contexto. O indivíduo é o porta-voz do seu pertencimento a um
dado contexto e sobre ele discorre de forma artesanalmente entrelaçada com a realidade
social, a ponto da sua própria história confundir-se com o próprio local no qual se insere.
A historiografia é um recurso metodológico essencial à esta pesquisa pois permite que se
trate o saber e fazer artesanal e sua relação com desenvolvimento não como “coisa”, mas
como “prática”. A abordagem metodológica historiográfica sugere a utilização de fontes
primárias e secundárias de pesquisa, fontes escritas e não escritas, tornando passível uma
análise a partir de um leque investigativo mais amplo, que inclui o indivíduo e não
apenas os seus registros documentais. Neste sentido, a história de vida emerge como
campo pesquisa relacionado à historiografia capaz de trazer, à pesquisa, elementos
qualitativos ao colocar em primeiro plano uma dimensão biográfica e temporal.
A pesquisa utiliza-se da história de vida como recurso visando a formulação de interpretações
possíveis de um dado processo histórico-social, neste caso o artesanato tradicional produzido
no território do Sisal/BA. A opção por esta metodologia reside na sua capacidade de suscitar
questões e pela necessidade de dar a voz às pessoas das comunidades pesquisadas. Neste
sentido, o enfoque metodológico busca uma relação mais viva com o passado e de se
conseguir obter indícios de uma “linhagem” no artesanato baiano.
A narrativa individual se constitui numa alternativa para o acesso a especificidades de uma
cultura ou grupos sociais que vivenciam dinâmicas locais. Ao eleger a história oral, tendo a
técnica da história de vida como método para a obtenção das informações, admite-se que o
discurso do indivíduo seja representativo de um contexto local, ainda que não generalizável.
A História oral privilegia a recuperação do vivido, conforme concebido por quem viveu.
(ALBERTI, 1989)
A narrativa biográfica em sociedades rurais só pode ser a narrativa de identificação do
indivíduo, com a representação e valores coletivos. Será a narrativa da identificação do
indivíduo aos modelos de saber fazer (estabelecido) e que impõe a este indivíduo o seu
“pertencimento” (SOUZA, E.C. e PASSEGGI, 2008). Como afirma Camargo e Oliveira
(2008), “Há a necessidade de se explorar como melhor utilizar as memórias e os significados
atribuídos à história local como importante recurso endógeno para o desenho de propostas
de desenvolvimento (CAMARGO e OLIVEIRA, 2008, p.3)”. Ao investigarmos o artesanato
sob o viés da identidade e passagem de saberes, a memória emerge como parte desta tríade,
cujo reforço e valorização contribuem para o desenvolvimento.
5. A dimensão da identidade cultural no artesanato
Geertz (1989) aponta que por trás de toda produção de cunho artístico há um senso de lugar.
Este lugar no conduz à noção de identidade que expressa uma dada cultua. Segundo o autor,
cultura pode ser definida como:
“um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em
símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas
simbólicas, por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e
desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida,
imputando à cultura um caráter público e compartilhado.” (GEERTZ,1989,
p. 66).
O artesanato insere-se como um dos campos de representação da cultura popular, responsável
por contribuir com a identidade cultural de um dado território. A identidade compreende a
noção de bens culturais, abrangendo os símbolos, os signos, os valores de um universo plural,
os bens ecológicos, as tecnologias, as artes, além dos fazeres e saberes tradicionais, inseridos
na dinâmica do cotidiano territorial.
É no contexto da cultura popular e da identidade cultural que se origina e se desenvolve as
diferentes tipologias de artesanato implicando na inexorável relação entre o processo
produtivo e produto com a cultura que lhe atribui significado e funcionalidade.
A relação identidade-território é um constructo social que se institui temporalmente tendo
como elemento primordial o sentido de pertencimento do indivíduo ou grupo com o seu
espaço de vivência. Esse sentimento de pertencimento e de concepção do espaço como locus
das práticas é o que confere ao espaço o caráter de território. No artesanato, este território
passa ser representativo das identidades e potencialidades locais expressas em cada uma das
tipologias do fazer empregadas. Segue uma visualização que indica a ocorrência das
tipologias até então encontradas nesta pesquisa até então:
Figura 1 – Tipologias de Artesanato nos municípios do Sisal
Fonte: Elaboração Própria, 2010
As localidades acima detém aspectos de artesanato que as aproximam em termos de tipologias
e modos de fazer, ao mesmo tempo em que as diferenciam de outras localidades, perfazendo
uma tensão entre o “fazer parte” de um grupo ou território a partir dos atributos que possui, e,
da mesma forma, estes mesmos atributos delimitarem um recorte que permite diferenciarem-se de outros indivíduos. Dessa forma, o artesanato é, ao mesmo tempo, reflexo de uma
construção social (cultural) ao tempo em que confere, à existência de um dado agrupamento
social, características que o singulariza.
6. Resultados preliminares
Os resultados observados a partir da coleta de dados realizada nos conduz a algumas reflexões
a partir deste recorte que coloca o artesanato sob o viés da passagem de saberes, identidade
local e memória social, sendo estas dimensões relacionadas ao desenvolvimento local. Foram
visitados 7 municípios até a presente data (abril de 2010) e neles foram entrevistados um total
de 12 artesãos, com registro, em vídeo, das suas histórias de vida a partir do depoimento oral.
Observou-se, nas entrevistas, a ocorrência das categorias citadas como características
observáveis no artesanato, das quais:
Quadro 1 – Características do artesanato identificadas registradas na oralidade dos artesãos
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